CONTO DIVINO.

Numa terra longínqua onde os pássaros não voam, as cobras vivem com sete pernas e as flores não fenecem, os deuses se reuniram num banquete, para discutir a subsistência humana.
Naquele dia, o Astro Rei não se mostrou vivo em um céu artificial, pois era noite, as trevas passeavam por entre as árvores secas e os lagos frios.
Os deuses se sentaram em torno de uma tábula redonda e gigantesca.
Fizeram-se presentes na solenidade os deuses do Olímpo, da África e dos índios, também lá estavam o deus dos cristãos, dos judeus e dos mulçumanos – bom tomarem nota que os três são apenas um – não se pode esquecer da presença de Buda mais ao canto, próximo a muitos e muitos outros deuses. Não dá para citar todos, eram muitos, passavam de mil, prova de que os homens têm uma criatividade afiada. E desta criatividade que os deuses se serviam, pois a imaginação humana é o alimento dos deuses, no dia em que os homens deixarem de crer em deuses, esses deuses deixaram de se alimentar, e assim passariam a não mais existir.
Na hora marcada começou a reunião, de início, todos tomavam uso da boa educação, mantinham acesa a chama da elegância, tratavam-se com certo respeito, os ataques eram indiretos; Os humanos precisam de alguns sinais, mas não vejo em você muita capacidade para lhes dar isto!; dizia um deus para um companheiro, enquanto uma outra dupla de deus conversava; São seres de curta inteligência, na hora de inventá-los alguém cometeu um erro; as palavras foram arremessadas para o deus ao lado, que em retribuição, apenas lhe lançou um olhar de quem está incomodado com os ruídos de insetos.
Desta forma o debate se seguiu até mais ou menos a terceira garrafa de vinho de cada deus. Depois, em meio a um gole e outro, a conversa passou a ser mais agressiva, a chama de elegância foi se apanhando aos poucos e os ataques passaram a serem mais diretos; Foi pura incompetência sua; disse um deus para o visinho que logo retrucou; Quem é que você pensa que é? Não tem capacidade de controlar a loucura dos que crêem em ti! Eles não temem seu poder, só lhe procuram quando precisam de riquezas, ou em momentos difíceis, você não tem muita utilidade para eles; outros discutiam aos gritos, a situação começava a fugir de controle.
E para piorar de vez o que não estava bom, chegaram os demônios: Lúcifer, Satanás, Diabo, Inimigo, Capeta e etc... nomes e mais nomes, nova prova da criatividade humana. Eles se sentaram perto de Hades, Ares, alguns Orixás e Saravás pouco amigáveis, logo começaram a fazer o que lhe era especialidade; Vocês se dizem tão poderosos, mas olhem o que os humanos fazem, eles estão à buscar provas da inexistência de vocês deuses, gastam as riquezas que poderiam tirar semelhantes da miséria, em máquinas que tentam provar que vocês não existem, será que vocês não percebem que a criação está matando o criador; estava feita a confusão, os deuses começaram a apontar culpados entre si, os insultos eram cada vez mais agressivos. No instante que a situação tornou-se insustentável, um deus qualquer, pagão e de pouco valor, aos olhos dos demais, disse; Nós temos inveja dos humanos!; essas palavras abalaram os alicerces de todas as discussões, todos os deuses e demônios pararam e olharam para o deus pagão que prosseguiu; Sim! Sentimos inveja dos humanos queríamos ser como eles, da mesma forma que eles queriam ser como nós, gostaríamos de sentir a mistura de emoções que eles sentem, gostaríamos de sentir a dor penetrar nossos corpos, gostaríamos de envelhecer, gostaríamos de viver cada momento sabendo que ele pode ser o último, os humanos querem ser deuses, pensam que a perfeição e a imortalidade são coisas boas, mas estão muito enganados, pois a perfeição e a imortalidade são entediantes, é uma eterna prisão, somos cativos do tédio, vocês sabem disto, mas escondem esta verdade, fingem não terem conhecimento deste fato, apenas porque não gostam de transmitir a imagem de inferioridade... tolos... tolos!!!
Tudo e todos pareciam congelar, ninguém se movia, a embriaguez passara, e as discussões também.
Aos poucos os deuses e os demônios partiram calados, de cabeça baixa, cantando baixinho.
Depois deste dia, que nunca existiu, os deuses nunca mais voltaram para aquela terra distante localizada no meio do nada.